sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Um pouco sobre o que orienta o Coletivo este mês e reuniões

Amanhã realizaremos mais uma reunião do coletivo, que está aberta para todas ajudarem a construir. Estamos tendo cada vez mais interessadas e além de discutir propostas práticas, estamos realizando nossas leituras formativas para ajudar a entender, projetar e definir nossas estratégias de atuação.

Semana passada foi lida a introdução do livro da feminista Marilyn French, "A Guerra contra as Mulheres", onde ela faz uma breve retomada das origens e hipóteses sobre a dominação à mulher,o surgimento dos movimentos sociais e ecológicos, a exploração do trabalho feminino e a desigualdade, a dificuldade de provar a discriminação da mulher (por naturalizada que está) e o ataque ao corpo feminino em todas as culturas. Um bom texto de sensibilização e tomada de consciência.

NOSSA ORGANIZAÇÃO:

Vemos a necessidade de priorizar taticamente, neste primeiro momento, enquanto grupo, a propaganda feminista e a prática educativa e conscientizadora. Por primeiro entendemos defender o feminismo (e não o anarquismo ou o marxismo) enquanto ideologia que realmente traria as respostas e a forma de organização para mulheres, dentro de seus termos e sua experiência. Assim, levar o que este tem a dizer sobre divisão de trabalho, revolução social ou ecologia. A segunda entende poder fazer a tomada de consciência possibilitada pelo feminismo ser analisada pelas mulheres na leitura pessoal que faça de suas contradições cotidianas, que possa levar a uma mobilização e engajamento. O Feminismo deve buscar inquietar as Mulheres. A resposta só pode ser dada por nós mesmas, pois somos as protagonistas de nosso movimento de libertação que está intimamente relacionado com a libertação de todas demais formas de opressão e do próprio ecossistema em geral.

Um pouco de História -

A mais antiga divisão de trabalho é a divisão de gêneros homem x mulher que, no discurso dominante, é justificada tomando por base a suposta naturalidade da função reprodutiva da mulher, quando na história (claro, se estudamos nossas referências e não o que os homens da esquerda querem que a gente ache da causa da nossa opressão) vemos se tratar de um processo de conquista que se efetivou na tomada dos corpos das mulheres, através do controle sobre sua capacidade de gerar. Assim, o discurso da naturalização da maternidade social vem para garantir o trabalho gratuito da mulher; primeiro aos Patriarcas primordiais, depois ao Estado (que nada mais é que a organização da primeira Supremacia Masculina e sua pepetuação até os dias de hoje), que cuida e gera seus cidadãos já que é incumbência 'natural' ou parte gratificante da 'feminilidade'.

Esse processo de conquista tem impactos ambientais concomitantes, uma vez que se repete com as mulheres o que o imperialismo (masculino/falocrático) faz com as terras (ou se repete com as terras o que homens fazem com mulheres?), e aí também entrando a domesticação dos animais e a invenção do regime carnívoro. Isso pelo simples fato de que os primeiros homens guerreiros (o primeiro ensaio de uma casta militar) vêem na Natureza a Mulher, a origem que querem repudiar, a Imanência que querem Transcender (categorias usadas por Simone de Beauvoir com base em sua influência por parte da filosofia existencial-fenomenológica). Os homens inventam o 'Outro' para se instituírem como o Mesmo. Nesse processo vai violência, pois se trata de uma disputa de poder:

"A caça deu a eles uma posição na sociedade e uma base para a solidariedade. Mesmo depois que se percebeu o papel do homem na paternidade(...)a situação social permaneceu a mesma. (...) Como a única base para a solidariedade masculina é a oposição à mulher e porque sua finalidade é substituir o vínculo primitivo com a mãe, a quem os homens associavam qualidades essenciais à vida - nutrição, compaixão, suavidade e amor -, construir a solidariedade masculina sempre acarretou uma forma de brutalização. Os ritos de iniciação ensinam os meninos a desprezar e erradicar características 'femininas', substituindo-as por dureza, renúncia (não abnegação), obediência e deferência por homens superiores. Eles criam um vínculo diferente do amor, um instrumento para o bem 'mais importante', um objetivo transcendente - o poder. Muitos ritos de puberdade exigem especificamente que os homens rejeitem as mães e, com elas, o mundo 'feminino' ". (Marilyn French, A Guerra contra as Mulheres)

"Sua atividade [do guerreiro] tem outra dimensão que lhe dá sua suprema dignidade, e ela é amíude perigosa(...) Não é dando a vida, é arriscando-a que o homem se ergue acima do animal; eis porque na humanidade a superioridade é outorgada não ao sexo que engendra e sim ao que mata" (Segundo Sexo, pg 84)


Andreé Michel em 'O Feminismo: uma abordagem histórica' diz, contudo, que a divisão de trabalho 'primitiva' (coleta e caça) não pode se dizer suficiente para determinar relações de poder ou instituição de classes sociais. Pelo contrário: da era Paleolítica até a Segunda Revolução Neolítica as relações eram marcadas por flexibilidade nessas divisões de tarefas e por cooperação. Vestígios arqueológicos não trazem indícios de guerras. Diferentemente das alegações de Levi-Strauss, a dita 'troca de mulheres' entre os clãs nesse período se tratava de vínculos de paz entre estes, também sendo os homens 'trocados', numa espécie de casamento primordial. A idéia de uma origem do Patriarcado tão somente no surgimento das classes guerreiras acaba por repetir as análises androcêntricas da História. É preciso discriminar o marco real do surgimento de sociedades de exploração como sendo a instituição da Propriedade Privada.

Assim mesmo, essa forma de relação com a existência demonstrada por Beauvoir e essa nova forma de identidade através da dialética com um Outro objetificado (mudança esta que tem primeiro suas origens na mudança na economia material da sociedade que exige determinada superestrutura ideológica) implica numa mudança também no se relacionar com os recursos naturais e humanos: os homens utilizam-se eles como forma de extender seus domínios. O sistema latifundiário, que esgota a terra e nela despeja insumos agrícolas como se fosse coisa passiva, é muito parecido com o processo de violência sexual que se mantêm atraves dos tempos - seja por guerras, pela epidemia de abuso sexual e incestos, pela Prostituição e Tráfico Internacional ou pela Pornografia -, numa necessidade de manter a mulher como categoria definida como subordinada e objetificada:

"Já verificamos que, quando duas categorias humanas se acham em presença, cada uma delas quer impor à outra sua soberania; quando ambas estão em estado de sustentar a reivindicação, cria-se entre elas, seja na hostilidade, seja na amizade, sempre na tensão, uma relação de reciprocidade. Se uma das duas é privilegiada, ela domina a outra e tudo faz para mantê-la na opressão. Compreende-se pois que o homem tenha tido vontade de dominar a mulher. Mas que privilégio lhe permitiu satisfazer essa vontade?" (Simone de Beauvoir, O Segundo Sexo, vol. I, pag 81, Editora Nova Fronteira, 1980)

Só se pode defender e manter uma posição de Poder tomada às custas de alguém ou de algum povo com o mesmo recurso que se usou para tomar esse Poder: com força. Força militar, jurídica, institucional, ideológica e religiosa. Está inventado o Patriarcado, o regime da Supremacia Masculina, assim como os exércitos e outras formas de emprego de violência rotineira (os quadros de violência contra a mulher não são senão 'epidêmicos' como apontam as analises feministas, mas sim compulsórios à manutenção da dominação masculina e extração do trabalho feminino, mantendo uma classe toda obediente e temente), a Heterosexualidade Compulsória e Monogamia, a religião Monoteísta e as Leis.




A falta de Solidariedade entre Mulheres e a raíz disso -


Assim sendo, a opressão da mulher não acaba com o Capitalismo como pregam ideologias que intentam transformar a luta da mulher em mais uma 'questão específica' ou 'movimento dentro' de algo mais amplo, ou até mesmo uma versão de uma teoria-pai (marxista, anarquista), chegando a nos acusar de pautarmos algo mesquinho ou não pensar 'nos trabalhadores'. Como Beauvoir aponta em seu livro de 1948 e marco da 2a onda feminista, as mulheres estão divididas pelas classes sociais: "Não têm passado, não têm história, nem religião própria; não têm, como os proletários, uma solidariedade de trabalho e interesses; não há sequer entre elas essa promiscuidade espacial que faz dos negros dos EUA, dos judeus dos guetos, dos operários de Saint-Denis, ou das fábricas Renault uma comunidade. Vivem dispersas entre os homens, ligadas pelo seu habitat, pelo trabalho, pelos interesses econômicos, pela condição social a certos homens - pai ou marido - mais estreitamente que as outras mulheres. Burguesas, são solidárias dos burgueses e não das mulheres proletárias; brancas, dos homens brancos e não das mulheres pretas. O proletariado poderia propor-se o trucidamento da classe dirigente; um judeu, um negro fanático poderiam sonhar com possuir o segredo da bomba atômica e sonhar em compôr uma humanidade inteiramente judia ou negra: mas mesmo em sonho a mulher não pode exterminar os homens. O laço que as une a seus opressores não é comparável a nenhum outro" (O Segundo Sexo, pg 13). Estejam onde estiverem, as mulheres são o "proletário do proletário", mas somos impedidas de tomarmos uma consciência de classe 'feminista', sendo logo acusadas de divisionistas ou 'femistas', tensionadoras de casamentos e cruéis, sendo isso também uma forma de perseguição política.


Lutar a partir de nós mesmas -


O Feminismo nos leva a concluir que o Capitalismo não passa de mais uma expressão da organização da sociedade que fundamentalmente é Patriarcal, e que passou a se estruturar, embora já tenha seus fundamentos no acúmulo primitivo e na propriedade privada, a partir do século XVII e XVIII, mas como a mais antiga forma de dominação é a dos homens sobre as mulheres - processo esse que não foi jamais dado pela natureza ou por qualquer condição natural e que também não aconteceu sem resistência, e os dados de violência contra mulheres nos dão alguma idéia da dificuldade de conter tal grupo submetido - Capitalismo, Racismo, Sexismo, Especismo, Etarismo e qualquer forma de relação hierárquica e de poder desigual tem sua inspiração na Supremacia Masculina e derivou desta, como mecanismos inter-dependentes de opressão que operam junto para garantir as relações sociais presentes, a privilegiar um grupo minoritário detentor impróprio dos meios de vida de todos viventes. Eis porque não podemos ter a ilusão de combater apenas uma em particular; precisamos ser solidárias a todas lutas que de alguma forma estejam também nas linhas de combate, resistência e ameaça ao Patriarcado-Capitalismo posto:

"As distinções de classe são uma extensão do domínio masculino como tal, e não apenas dividem as mulheres pelas linhas econômicas, senão também servem para destruir os vestígios de antiga força matriarcal das mulheres" (Charlotte Bunch & Nancy Myron,"Class and Feminism" IN Hacia una Teoria Feminista del Estado, Catherine Mackinnon).


Para pensar e chegar a mais respostas sobre essas questões, VENHAM PARA NOSSAS REUNIÕES DE ESTUDOS NAS PRÓXIMAS SEMANAS, que terão por objetivo a retomada histórica desses acontecimentos.


*Postado por J., que acabou se bagunçando com os logins. A postagem não representa a posição de todas no coletivo e também não há consenso entre historiadoras e feministas sobre a origem das sociedades de opressão.

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